A vulgarização e “democratização” do crédito ocorreu durante a Revolução Industrial, com o aparecimento da classe operária, que usufruía de um emprego mais ou menos estável e vivia do respectivo salário. A previsibilidade dos rendimentos do trabalho permitiu, por um lado, que estes pudessem ser antecipados e, por outro, a massificação de certos hábitos de consumo. Em paralelo, o próprio contexto económico propiciou esta mudança. O despontar da indústria e, consequentemente, da produção em série de bens também os tornou mais acessíveis.
Estamos, portanto, perante fenómenos que se desenvolveram de modo interdependente: a industrialização e produção de novos bens de consumo, a geração de riqueza e o incremento de actividades associadas, como a concessão de crédito.
Na realidade portuguesa, a contratação de crédito popularizou-se mais tarde e de forma mais abrupta, colidindo com valores tradicionais contraditórios e bem enraizados na sociedade. Assim, podemos apontar quatro grandes factores que potenciaram o aumento do crédito concedido em Portugal nos últimos anos:
– o baixo nível de endividamento das famílias no início da década de 90;
– alterações da lei que permitiram, por exemplo, a privatização da banca e, consequentemente, o aumento da concorrência.Tal tornou-se mais evidente a partir da adesão de Portugal à, então, Comunidade Económica Europeia, em 1986;
– o processo de adesão à União Económica e Monetária e a entrada na zona euro implicaram uma redução drástica da taxa de inflação e das taxas de juro;
– a mudança dos padrões culturais: o crédito perdeu, progressivamente, a conotação negativa.
A partir de meados dos anos 90, registou-se um acelerado ritmo de crescimento do crédito em Portugal.
O recurso ao crédito se tornou cada vez mais habitual. Uma das principais razões deve-se, numa primeira fase, à descida acentuada das taxas de juro e, numa segunda, à sua manutenção em níveis baixos. Isso justifica que a taxa de endividamento dos portugueses tenha passado de 38%, em 1995, para 129%, em 2007. Só o crédito à habitação, pelos avultados montantes que envolve, representou quase 80% da dívida total dos portugueses em 2008.
A taxa de endividamento dos particulares (ou rácio de endividamento), tão citada nos meios de comunicação social, compara o montante total do crédito ainda em dívida com os rendimentos das famílias. Porém, uma taxa de endividamento elevada não implica necessariamente insolvência ou sobreendividamento. Por exemplo, a família Teixeira contratou um crédito à habitação no ano passado. Actualmente, o capital em dívida é de € 100 000, para um rendimento anual de € 25 000 (sem nenhum outro empréstimo). Neste caso, a taxa de endividamento ronda, grosso modo, os 400% (€ 100 000 + € 25 000). Poderia deduzir-se, erradamente, que esta família não tem capacidade financeira para suportar a dívida. Mas não é bem assim. Para calcular o peso das dívidas sobre o rendimento familiar deve-se recorrer à taxa de esforço, que relaciona as prestações mensais de todas as dívidas com os rendimentos mensais líquidos. Se estes forem de € 1800 e a família suportar € 600 de encargos mensais com crédito, a taxa de esforço é de apenas 33% (€ 600-^- € 1800).
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